sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Um mal nunca pode justificar outro

Seguindo o post anterior, durante esta semana foi anunciado que a cruz permaneceria em frente ao palacio presidencial, evitando a provocacao de confrontos entre a policia e os apoiantes da cruz.
Os que protestam contra a retirada da cruz afirmam que a cruz pertence 'a nacao Polaca, e que representa o pais em si. Afirmam que nao cairao nas maos do Putin, nem da Russia mais uma vez. Existe uma grande ignorancia relativamente a todos os acontecimentos das ultimas decadas, continuando estes a lutar cegamente por algo que ha' muito terminou. A forca que a religiao ganhou entre o final da segunda guerra mundial e o fim do socialismo, opondo-se contra alguns ideais do regime e sendo apoiada por este, criou entre a nacao um apoio generalizado de apoiantes e seguidores incondicionais.
A Historia mostra-nos que este padrao de acontecimentos nao e' invulgar. Alimentando-se um mal para eliminar outro, e' possivel solucionar o primeiro, mas deixa-nos apenas com outro problema para resolver. Este padrao e' obvio por exemplo no Afeganistao, em que para derrubar a ocupacao sovietica os EUA apoiaram os Talibas, que com o poder ganho nessa atura, tornaram-se um novo problema em si.
Nao sendo necessario ir mais longe, o poder totalitario sobre as financas dado a Salazar para solucionar os problemas economicos de Portugal nos finais dos anos 20 levou a uma ditadura opressiva e manipuladora que durou mais de 3 decadas.
As caracteristicas que nos levam apoiar qualquer entidade ou instituicao, devem prender-se com os valores individuais que estes defendem e nao uma generalizacao de apoio incondicional e completo, por possuirem uma caracteristica a seu favor.
Um mal nunca pode justificar outro.


3 comentários:

Nês disse...

Jacek, mais uma vez um excelente texto que nos faz pensar :) Por vezes não é fácil ter-se uma opinião clara e precisa por todos os factores que temos que ter em conta. Feliz ou infelizmente o mundo não é preto e branco, a realidade é bem mais complexa e dou-te os parabéns por pores estes temas em discussão :)

Esta história da Cruz fez-me pensar no assunto sob vários prismas:
1º - Dou-te razão no que diz respeito à “manipulação” das pessoas para seguirem determinada ideologia com base naquilo que elas mais respeitam. Manipular as pessoas é sempre uma atitude bastante lamentável.
2º - Mas, em termos práticos, será que não estamos a exagerar um bocado ao pensarmos que uma simples cruz põe em causa a separação do Estado e da Igreja? Talvez as pessoas usem esse símbolo ingenuamente como um sinal de respeito por alguém que faleceu e nada mais. Claro que a Igreja tem um peso grande na Polónia, que é um país bastante Católico e se calhar está a aproveitar-se um bocado da situação para arranjar mais "fieis". Mas tb n vejo nada de mal em as pessoas seguirem uma religião. Isso não significa que vão querer misturar as coisas. Por exemplo em Portugal, quantas pessoas não se casam na Igreja só pq é bonito e é tradição mesmo que não ponham lá os pés o ano todo? Não comemoramos todos ou quase todos o Natal? Mesmo quem não acredita em Deus? Certas coisas são símbolos, são tradições e não significa que as pessoas sejam propriamente fanáticas religiosas. Talvez seja mais uma questão de tradições do que de crença cega.
Quanto ao poder político, no caso de um partido mais conservador se estar a aproveitar da situação para ganhar mais poder (o que é mesmo mto mau), penso que este alarido todo à volta da cruz só piora as coisas. Se a cruz lá estivesse como sinal de respeito e não se desse tanta importância, não teriam o impacto que estão a ter.
3º - A democracia: Se a maioria das pessoas quiser que a cruz lá esteja, penso que isso deve ser respeitado porque representa a opinião da maioria e não está a infringir os direitos humanos de ninguém. É só um símbolo, neste caso utilizado para demonstrar respeito por alguém. Os cemitérios também estão cheios de cruzes e é o símbolo que se usa qd alguém morre, sem estarmos exactamente a pensar em Jesus Cristo. O que não falta por aí são monumentos religiosos e isso não nos torna em Católicos fanáticos.
4º - Qualquer regime opressivo e extremo é mau, seja à direita ou à esquerda, a Historia já se encarregou infelizmente de nos demonstrar isso das piores formas. É natural e que me lembre aconteceu em todos os regimes opressivos, logo quando acabam caírem quase no extremo oposto. Em Portugal isso tb aconteceu a seguir ao 25 de Abril quando houve expropriações de casas e de terrenos e muita gente foi roubada (principalmente aqui no Alentejo) sem sequer ter tido alguma vez alguma coisa a ver com política (parece-me a mim isto mto mais grave do que um qualquer símbolo). Concordo plenamente contigo quando dizes que um mal nunca pode justificar outro. Com o tempo acredito que as coisas amenizam e acaba por voltar tudo à normalidade. Mas quando as coisas são muito recentes, as pessoas sentem-se revoltadas e usam tudo ao seu alcance para demonstrar o seu descontentamento em relação ao regime anterior. Não quer dizer que as pessoas na Polónia queiram entrar num regime opressivo fascista, assim como em Portugal (pelo menos espero) as pessoas não queriam entrar num regime opressivo comunista.
Penso que certas coisas precisam de tempo para serem curadas. Penso que as gerações mais novas vão começar gradualmente a ver as coisas com mais distancia e tudo se normaliza :) E não estou para aqui a defender a cruz, não é nada disso lolol mas acho que quanto menos importância se der a isso menos revolta vai criar nas pessoas :P

Unknown disse...

Ines,

Obrigado por este fantastico comentario :)

1. Claro que sim, infelizmente ainda muitas pessoas se deixam manipular de forma barata. A unica forma de evitar isso e' a utilizacao da razao por essas pessoas.

2. Em principio, as pessoas seguirem uma religiao, caso se mantenham dentro dos conceitos metafisicos, e se limitem 'as suas oracoes sem maltratar, sacrificar, impor isso a ninguem, realmente nao tem mal nenhum. Numa sociedade todos devem ter direito a acreditar no que seja, seja isso jeova, alah, jesus, fada dos dentes. Para garantir que esta liberdade e' de facto a mesma para todos, uma instituicao do estado (muito menos o palacio presidencial) nao pode estar associado a nenhum desses simbolos. Caso contrario, quem acredita num deus em vez de outro torna-se mais ou menos aceitavel perante o estado.

Ao que referes relativamente 'as tradicoes, concordo. Estas devem ser feitas por se gostar delas e nao por serem uma tradicao em si. Caso contrario, como com o exemplo das touradas, vemos como uma tradicao consegue manter um atraso de seculos na mentalidade de uma populacao.

3. A questao e' que a cruz esta' a violar o direito de escolha de religiao e o fundamento de uma separacao entre o estado e a igreja, que garante que qualquer um e' livre de acreditar no conceito metafisico que desejar. Democraticamente escolhemos o presidente, e isto deve ser completamente separado de qualquer crencas sobrenaturais. Caso contrario temos o exemplo de come se impoe em alguns paises que as mulheres andem tapadas com burcas, que se apedrejem mulheres por adulterio ou que a sentenca para alguem achar que o conceito sobrenatural escolhido pelo estado e' a morte. E isto tudo pode ser justificado pelas tradicoes defendidas pela populacao, mas que estao fortemente ligadas 'a religiao.

4. Penso que e' importante clarificar as coisas quando elas acontecem. Ignorando e deixando andar apenas permitimos que as coisas se desenvolvam no sentido talvez menos racional. Por isso talvez deixando as coisas desnvolver por um sentido seja a forma imediatamente mais silenciosa de se fazer algo, mas sem duvida sera' mais um passo num sentido que nao queremos atingir. Dai valorizar tanto estas discussoes, em que as coisas devem ser discutidas e clarificadas o melhor possivel, de forma a evitar cometer os mesmos erros do passado!

Nês disse...

Jacek, tens toda a razão quanto à separação entre o Estado e a Religião :) como te tinha dito, não estou de forma alguma a defender que a cruz lá fique, mas analizando as coisas de forma distanciada, e fazendo uma analise puramente filosófica sobre o assunto (até pq não estou aqui a defender nenhum dos lados) pergunto-me até que ponto uma simples cruz põe em causa essa separação. No Palácio de Belém, que é a nossa residência oficial do Presidente da República, existe uma capela (penso que não está a funcionar, mas fazia parte do palácio desde os tempos da monarquia, aliás, todos os palácios portugueses têm uma pequena capela) e não acho que alguém se revolte por isso ou ache que está em causa a separação do Estado e da Igreja ou queira ir destruir a capela só pq é a residencia oficial da presidencia da republica. Penso que somos maduros o suficiente para saber que isso fez parte da nossa historia e aceitarmos simbolos que dizem mto à maioria das pessoas, sem que isso interfira de alguma forma na acção do Estado. Claro que este caso é diferente pq estamos a falar de uma capela que sempre existiu no palácio e que só por si é património historico. Mas acho que não podemos ser radicais em certas coisas, pq muitos dos simbolos religiosos estão de alguma forma ligados à cultura dos países e isso deve ser respeitado desde q n ponha em causa os direitos de ninguém. Claro que as coisas devem ser discutidas, o que eu quis dizer foi que ao dar-se demasiada importancia a uma simplews cruz, consegue-se o efeito contrário, ou seja, quem realmente quiser manipular as pessoas vai ter ainda mais apoio ao haver um descontamento geral por ser tomada uma medida que vai contra o desejo da maioria. E aí então é que se calhar as pessoas começam a tomar medidas ainda mais extremas como medida de protesto e expressão de revolta. A minha reflexão a nivel da democracia é acerca de quais os limites para a aceitação de medidas apoiadas por maiorias. Eu acho que esse limite é quando se põem em causa os direitos humanos, e neste caso não me parece que estejam em causa. Acho que em termos praticos, nenhum polaco deixou de ter o direito de ter outra religião ou não ter religião nenhuma por a cruz lá estar, embora seja certo que não é o sitio mais correcto para expressar simbolos religiosos. Estado e a Religião devem estar sempre separados, obviamente e penso que isso nem está em discussão. O que eu queria dizer com as tradições é, até que ponto será a cruz mesmo uma manifestação religiosa ou um simbolo enraizado na nossa cultura como representação da morte e forma de homenagear quem partiu. Eu acho que se calhar a maioria das pessoas que apoiam a cruz não o fazem por estar a pensar em religião mas por acharem que é uma forma digna de homenagem os mortos enraizada na cultura do país.
Espero que isso se resolva e que consigam chegar a um consenso e apresentem soluções às pessoas para um sitio onde possam homenagear o Presidente e os mortos do acidente num sitio menos polémico, mas que elas considerem digno, tipo um parque ou sitio calmo. É sempre melhor dialogar e tentar encontrar situações que satisfaçam a todos sem se ter que entrar em confrontos e tomar medidas que as pessoas considerem opressivas. Nada como um bocadinho de tacto e diplomacia para que as coisas se resolvam de forma amena :)